quinta-feira, 30 de junho de 2011

Pálida à Luz

Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando
Negros olhos as pálpebras abrindo
Formas nuas no leito resvalando

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!

Álvares de Azevedo

quinta-feira, 23 de junho de 2011

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Estranhamente vejo mudar o doce sabor da felicidade, estranhamente vejo o tempo oscilar. Torturo-me até o ultimo minuto por não alcançar das tuas tantas expectativas, e lhe proporcionar apenas dor e sofrimento. Eu olho para o passado e relembro os planos que juntas fazíamos. E os sonhos que construímos com tanto afeto e que agora são despertados pela chama da realidade. Oh,que dor possui essa presente realidade,que me consome até os últimos resquícios de fios de cabelos que ainda me restam.Torturo-me diante da cruz,apedrejando-te e apedrejando-me por pecados dos quais nem acredito. Tu vês minha dor, tu compartilhas dela e retorna ao passado para aliviar-te do fardo fatídico cotidiano. Cruelmente desconto em meu ser aquilo que eu não gostaria de ser. As marcas/feridas te ferem. E me ferem com a calmaria. Um tanto oblíqua, manipulo-te a fins de te ver rutilante outra vez. É sublime a preciosidade com que tu me tratas, é doloroso ver em tua face  lágrimas de tanto amor.Meu corpo encontrará a paz outra vez,e minha alma lhe dará sua paz também. Peço-te a ti a mais encantadora paciência, peço-te a ti que não desista ainda, peço-te a ti que multiplique esse amor e essa força,para que em algum lugar eu possa encontrá-la também. Agradeço-te por cada instante de afeto incondicional, e saibas que é totalmente recíproco. E um dia, acredito confiantemente, que sou eu quem lhe proporcionará abrigo, o mais encantador e resplandecente abrigo.Juro por ti, juro por tudo aquilo que por desolamentos do passado,deixei de crer.Ainda encontraremos um lindo jardim juntas.Sim,nós encontraremos.  






Último Brinde

Bebo ao lar em pedaços,
À minha vida feroz, 
À solidão dos abraços 
E a ti, num brinde, ergo a voz...
Ao lábio que me traiu, 
Aos mortos que nada vêem, 
Ao mundo, estúpido e vil, 
A Deus, por não salvar ninguém.


Ana Akhmátova




Ofélia,John Everett Millais

Carroça Vazia

Certa manha, meu pai, muito sábio, convidou-me a dar
um passeio no bosque e eu aceitei com prazer.
Ele se deteve numa clareira e depois de
um pequeno silencio me perguntou:
- Alem do cantar dos pássaros,
você esta ouvindo mais alguma coisa?
Apurei os ouvidos alguns segundos e respondi:
- Estou ouvindo um barulho de carroça.
- Isso mesmo, disse meu pai, e uma carroça vazia .
Perguntei ao meu pai:
- Como pode saber que a carroça esta vazia,
se ainda não a vimos?
Ora, respondeu meu pai. É muito fácil saber que uma
carroça está vazia; por causa do barulho.
Quanto mais vazia a carroça maior e o barulho que faz.
Tornei-me adulto, e ate hoje, quando vejo uma pessoa
falando demais, gritando (no sentido de intimidar),
tratando o próximo com groceria inoportuna,
prepotente, interrompendo a conversa de todo mundo e,
querendo demonstrar que é a dona da razão e da verdade
absoluta, tenho a impressão de ouvir a voz do meu pai
dizendo: "Quanto mais vazia a carroça, mais barulho ela faz..."