terça-feira, 30 de agosto de 2011

À Noite


A música no jardim
tinha dor inexplicável.
Um cheiro de maresia
vinha das ostras no gelo.

Ele disse: "Sou fiel!"
e tocou-me no vestido.
Tão diverso de um abraço
era o toque dessas mãos.
  

Como quem acaricia
um gato ou um passarinho,
sorria, com os olhos calmos,
sob o ouro das pestanas. 

A voz triste dos violinos
cantava, em meio à névoa:
"Dá graças a Deus que enfim
estás a sós com o amado".
Ana Akhmátova

Treze Versos


E finalmente pronunciaste a palavra

não como quem se ajoelha,

mas como quem escapa da prisão

e vê o sagrado dossel das bétulas

através do arco-íris do pranto involuntário.

E à tua volta cantou o silêncio

e um sol muito puro clareou a escuridão

e o mundo por um instante transformou-se

e estranhamente mudou o sabor do vinho.

E até eu, que fora destinada

da palavra divina a ser a assassina,

calei-me, quase com devoção,

para poder prolongar esse instante abençoado.

Ana Akhmátova